Existem dois tipos de saudades, as que se choram e as que se comem. As que se choram deixamos hoje de lado, na beira de um prato onde não mora o sal de lágrimas mas sim o sal de um Trás-os-Montes empacotado, remetido e desembrulhado à cadência da gula. Assim, enquanto a caixa se convertia em embrulhos e dos embrulhos desabrochavam latas, frascos, garrafas e enchidos, a água teimava em não ferver, aquela lentidão de suplício que sempre se interpõe entre o Homem e o jantar. À panela com água juntou-se uma chapa com azeite, esse sim o melhor amigo do Homem, e o queimar de uma pele que se quer quebradiça com tons de negro aqui e ali. Ficámos de mão dadas, mãos que balanceavam no passeio entre a memória da última degustação e a ânsia da próxima garfada, para a frente e para trás até ambos os lados estarem dourados. A água ferve. Ferve de braços abertos para acolher a moira, ferve para lhe massajar a consistência, apurar o travo e para lhe destilar da farta gordura o mais terno dos sabores, o sabor a casa. Senta-te, apaga a luz, inspira o vapor que lhes sai das entranhas. Esta cozinha não existe, não estás mais neste prédio muito menos neste tempo. Estás a ver, ao longe, o fumo espremido pela chaminé. Estás molhado porque teimas em não levar o guarda chuva. Estás de regresso da escola...
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