As correcções de Armindo Monstro continuam a bom ritmo, isto é, ao ritmo possível. Hoje foi a vez de Amélia Enguia receber alguma atenção. Para o fim-de-semana está reservada a extensão dos dois capítulos finais. Por agora deixo aqui uma pequena amostra do segundo capítulo.
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Amélia Enguia passava a maior parte das suas noites a ler grandes novelas de grandes autores na grandiosidade da sua humilde casa. A coisa mais interessante que podia abalar a sua solidão era um ou outro telefonema de seu irmão, Rui Mocho. Quando o cansaço da leitura se impunha, Amélia pousava os livros para retomar o planeamento da lição para o dia seguinte. Amélia levava o seu trabalho a sério e nunca deixava nada ao acaso. O tempo necessário para os exercícios, os exemplos práticos, as normais dificuldades dos alunos e as inúmeras estratégias para combater a falta de atenção. Tudo era planeado ao extremo e com minúcia tal, que Amélia era cobiçada pelas melhores escolas do país. A falta de professores capazes era substancial, apesar de, paradoxalmente, nunca terem existido tantos professores como agora. Por causa da sua falta de ambição em termos de carreira e a extrema dedicação que trazia à pequena escola onde lecionava, Amélia era motivo de comentário a cada encontro nacional de professores. Corriam rumores que fora apontada para directora da maior escola primária da capital, mas que refutara a proposta alegando não se sentir apta para o cargo. Na verdade, Amélia sabia que daria uma boa directora. Tinha bom conhecimento das entranhas do sistema educativo, sabia os programas curriculares de trás para a frente e acumulava já dez anos de experiência a leccionar. Apesar das suas inquestionáveis competências, Amélia sentia-se incapaz de lidar com as novas professoras e professores acabados de sair da universidade e que todos os anos inundavam as escolas de Norte a Sul. Os novos docentes faziam entradas triunfantes na sala de aulas, cheios de energia, ideias inovadoras e com uma vontade insaciável de mudar os cânones do ensino. O problema para Amélia era que toda esta energia positiva se dissipava ao primeiro encontro com a pesada burocracia escolar. A participação activa em reuniões intermináveis sem piscar olho ao telemóvel ou a atempada conclusão dos relatórios de avaliação, eram requerimentos aparentemente impossíveis para os novos docentes. Amélia acolhia toda e qualquer ideia inovadora, mas nunca aceitaria o desprezar das necessárias formalidades e regras, tão intrínsecas à génese do ensino como as regras de pontuação. Tal como as regras para a elaboração da escrita não impedem que a literatura se transforme a cada década, também as regras escolares não colocam qualquer entrave à transformação da arte de educar. Apesar dos novos docentes sonharem com uma reforma rápida no modo em como se ensina, Amélia sabia por experiência que a mudança no sistema educativo só tem uma velocidade possível, lenta. Era esta diferença de pensamento a principal razão pela qual Amélia recusava qualquer progressão na carreira que obrigasse a orientar novos docentes.
5 comentários:
Gostei!
Quando tiver disponível no iBooks quero ser das primeiras a ler. Muito bem. Continua
Também estou de acordo, gostei :). Há algum motivo para os irmãos terem nomes de animais :p achei piado ao facto :p
Viva a todos...
Obrigado pelos simpáticos comentários. Assim que o conto estiver pronto serão prontamente informadas/os :)
@Daniela: Quase todos os personagens têm nomes de animais, reais ou imaginários. Penso que tem a ver com a minha "origem rural", sempre no meio da bicharada...
Abraços
:)
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