1 de novembro de 2010

Da epopeia da baunilha à física do caracol

A pedido do Reino da Prússia:

Maria Cortés, mulher devota aos santos, mézinhas, suprestições e demais cultos ocultos teve um parto terreno de bradar aos céus. Agarrada à imagem de São Diogo de Alcalá, Maria Cortés descansa exausta na cama talhada pelo mestre Pancho, artífice das mil artes residente na rua de Mérida nr 42. Depois de baptizado, Maria olha seu filho nos profundos olhos pretos que São Domingos de Gusmão lhe abençoou conferir. Infelizmente Maria terminaria nessa noite o seu papel terreno de Mãe falecendo agarrada ao seu mais precioso bem; Hernán Cortés Monroy Pizarro Altamirano nascido em Castela sob protecção de Ildefonso de Toledo, valente descobridor de Mundos, amante de Marina de Viluta e magistral conhecedor da mais perigosa especiaria do Mundo.

A melancolia de uma estação de comboio vazia no meio da madrugada é difícil de igualar e a estranheza da língua escrita impossível de compreender. Mesmo assim decido entrar no primeiro comboio de aparece. Por mero acaso do destino consigo fazer toda a viagem até ao ponto de encontro com a mais curiosa personagem real que conheço. Depois de bem acolhido e de uma boa e repousante noite de sono, recebo o meu ritual de iniciação nessa bela arte Prussiana de bem tomar o pequeno almoço. Na minha frente desfilam pães de várias formas e consistências, fatias de bolo, doces e aromas de café inebriando o ar. Ao meu lado repousam fatias de queijo, marmelada, manteiga e mel. Não falta o leite, o chá e o açúcar. O sumo de laranja é rei e senhor do centro de mesa e os biscoitos fiéis súbditos de uma corte gastronómica que sou convidado a conquistar.

Com os pés bem cravados na areia branca Hernán ordena firmemente a um batedor que descubra água doce. A longa viagem deixou as suas marcas na sua valente tripulação; 18 marinheiros, 6 cavaleiros, 3 atiradores, 2 cozinheiros e 20 Índios. Hernán olha com gosto a nova terra que agora pisa. Aquando criança era atormentado na na escola e maltratado por um pai sem fé. Depois de fugir de casa fez-se marinheiro, lutou por amor, fé e honra até chegar a comandante de um dos 11 navios que, 26 anos depois do seu nascimento, encontram repouso na costa do Mexico. Devoto a Leandro de Sevilha, o batedor regressa com boas notícias; existe um rio límpido a escassas centenas de metros. Hernán ordena que os atiradores o sigam e desaparece na floresta.

Esta vida até que é boa. A padaria não está longe e posso rapidamente comprar o meu pequeno almoço. O eléctrico pára quase à porta e por isso não é preciso esperar ao frio. O trabalho é interessante e nem as saudades da família parecem incomodar. Certo é também que os outrora diários pequenos almoços Prussianos apenas acontecem ao fim de semana. Ainda assim, as solitárias manhãs são sempre pinceladas com o imaculado sabor de uma curiosa iguaria. Um bolo de nome quase impronunciável na infância da minha abordagem à língua Germânica. E sigo comendo e sonhando, sonhando e comendo até à última paragem.

Seu cavalo branco bebe da frescura paradisíaca do serpenteante rio que Hernán baptiza de São Paciano. Banhadas pelas límpida águas, ambas as margens do rio apresentam uma vegetação indígena luxuriante. Numa delas, quais espectros brancos divinos, um par de flores nunca dantes vistas deliciam o olhar de Hernán. Embriagado pelo seu perfume e beleza, decide colher algumas delas para oferecer a sua esposa. São espécimes do género Vanilla família Orchidaceae, o sonho de qualquer intrometido botânico Britânico em missão cientifica a mando do Império. Para Henrán são apenas duas bonitas flores que secará e guardará como lembrança da viagem.

Intrigante o modo como me olha. A sua boca mexe mas não consigo perceber o que ela diz. Processo o tom acusatório com que sou confrontado e decido que o melhor é não responder. A troca unidireccional de palavras não dura mais que cinco segundos. Ao sexto a minha cara radia calor e denuncia uma pálida cor vermelha. Estranho país este onde esquecer de colocar a palavra baunilha antes da palavra caracol numa padaria resulta em estalo. Substituir Vanille Schenecke por somente Schenecke parece não ser muito aconselhável. Um mal entendido por certo mas evitável, bastava que ninguém trouxesse baunilha para a Europa.

Um azul de céu batalha com o azul marinho pela supremacia do horizonte. Dos 11 barcos que violaram a costa Mexicana apenas um navega em alto mar. Não há fronteira para Hernán nem para sua tripulação, não existem mares impossíveis nem medos que a fé não ultrapasse. Tempo de regressar a casa para os braços de Viluta. A sua cozinha está repleta de cheiros e cores de Mundos do sul, fruto das expedições dedicadas do seu marido. Vitula adormece, sonhando com as maravilhosas especiarias com que se deliciará. Viluta não sabe porém que no porão do navio, preservado num frasco bem fechado, viaja a especiaria mais perigosa para o autor deste blog...

1 comentário:

Anónimo disse...

Luis, lindas estas tuas estorias paralelas! E amanha, quando fores comprar o caracol à padaria, tem cuidado para não dizeres à senhora: "Ach, Du Schnecke, komm hier bitte!" Diz-lhe, sim: "Ach, ein vanille-Schnecke, hier bitte"
Obrigada pela participacao!
Sofia

Trans - Siberiano