21 de fevereiro de 2010

Diários de Israel - A cor castanha

Motivo da sua viagem?

Um olhar sem espaço para emoções ou dúvidas, sem o mínimo sinal de hesitação observa-me atentamente enquanto faço deslizar o meu passaporte pela estreita ranhura no vidro à prova de bala.
Dois minutos depois não queria acreditar no jeito que dá ter o meu nome num e-mail. A avalanche de perguntas não parava e para tudo era necessário uma prova plausível.

Uma visita de estudo e uma reunião de trabalho...

O facto de ser originário de um país da União Europeia exclui muita da burocracia mas ainda assim temos de nos confrontar com um inquérito digno de um filme de Hollywood.

Tem algum documento com o seu nome que o identifique como participante na alegada reunião?

O Inglês é falado a grande nível e continuo surpreendido com a firmeza das interrogações. Firmes mas sem serem agressivas, directas e sem dar lugar a segundas interpretações.

Sim tenho.

Enquanto isto procuro na mochila as cópias dos e-mails que me foram enviados pela Universidade de Tel Aviv. Um carimbo e bem vindo a Israel.


Nada parece distinguir este local de tantos outros. Na verdade os aeroportos por onde andei pouco diferem. Uns maiores outros mais pequenos mas ainda e sempre aeroportos, assépticos pontos de passagem de pessoas e bens. Ben-Gurion parece um desses normais aeroportos que podemos encontrar em qualquer capital Mundial dos países da OCDE até ao momento em que os nossos olhos se deparam com a camuflada imensidão da cor castanha. Foi pois o primeiro contacto com uma realidade audio-visual tantas vezes ouvida, vista e falada mas nunca experimentada.

No fim do terminal C abre-se um amplo e luminoso espaço no centro do qual colunas de gotas de água se rendem à gravidade. Caem alegremente numa oval "piscina" à volta da qual crianças e adultos se sentam comendo um gelado ou lendo o jornal. A água não cai constantemente mas sim em intervalos que adivinho serem ordenados. Para a esquerda e direita podemos encontrar as restantes saídas dos terminais e à minha frente a indicação do local onde a minha bagagem deve ser recolhida e também a saída principal. É esse o caminho que tomo, pensando insistentemente no rapaz de 19 anos (não deve andar longe disso) com as costas encostadas à máquina de chocolates e vestido de castanho.



A mão direita materializava freneticamente uma mensagem no telemóvel enquanto que a mão esquerda segurava firmemente a semi-automática suspensa a tira-colo. Uma criança no sentido temporal, um soldado segundo a definição do seu país, um retrato dos tempos modernos onde a juventude parece querer ser adulta cedo demais ou um paradoxo de paz sustentada a guerra? Tantas interpretações que se torna difícil escolher uma. Mas Israel é mesmo assim, um só país, múltiplas interpretações.

Tudo parece já distante, imperceptível. A cor castanha acompanha-nos para onde quer que olhemos. Com o tempo torna-se parte da paisagem urbana e mental. Andam nos autocarros, comboios ou a pé. São jovens na sua esmagadora maioria, rapazes ou raparigas, fumam, fumam outra vez, observam, convivem. São uma família de acolhimento, uma família por três anos.



Só agora denoto uma segunda realidade. Tel Aviv é uma cidade plantada no Mediterrâneo e por isso carrega em si traços genéticos característicos. O calor é acolhedor por esta altura do ano (26 graus, mais 30!!! do que em Potsdam quando parti) o céu é azul infinito, as pessoas são hospitaleiras e o tráfego é insuportável. O comboio deixa-me a um quilómetro da pousada. Escolho caminhar, o autocarro pode ficar para outro dia. Existem mais e melhores cores para ver aqui...


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