24 de novembro de 2014

Um Lenin em Wünsdorf...

A solidez do muro de Berlim é sufocante. Os turistas chegam e desde logo são atraído pelo magnetismo de um muro invisível e de um checkpoint à beira do qual borbulham salsichas e caril. Não interessa o silêncio do tempo, apenas o colecionar de fotografias para recordar, ou talvez melhor, para provar a terceiros que se esteve lá, perto do tal muro. No meio de tanto faz de conta é fácil deixar escapar locais onde as cicatrizes da história continuam expostas, no sentido material claro está. É que enquanto Berlim se rejuvenesce e a outrora divisão política caminha a passos largos para o esquecimento (se bem que outras divisões se levantam), sítios há onde as feridas se perpetuam. Tal é o caso de Wünsdorf, uma pequena localidade de 6000 habitantes, 40 km a sul de Berlim.

É impossível dissociar Wünsdorf da tradição militar. Desde 1877 que a vila era usada como campo de treinos para o exército Prussiano. Com o Nacional Socialismo de Hitler, desenvolvem-se em Wünsdorf várias actividades militares, em especial a criação da primeira companhia de blindados da futura Wehrmacht. A 15 de Março de 1945 Wünsdorf cai nas mãos da União Soviética. Foi de Wünsdorf que saíram os blindados que assegurariam defesa das autoridades da RDA aquando da construção do muro de Berlim. A presença Russa em Wünsdorf só terminaria em 1994.
 

Memórias de todos estes períodos da história podem ser observados a olho nu num pequeno passeio. Do nada surgem curiosos bunkers da segunda guerra mundial. Construídos em forma de cone de modo a serem "invisíveis" quando observados do ar e para deflectir bombas sem as detonar em caso de embate. Dos tempos Soviéticos ficou toda a infraestrutura para suportar os cerca de 50 mil soldados que ficavam estacionados em Wünsdorf. As casernas, as lojas e as habitações vão perdendo a coloração e a forma. Alguns telhados caem, as portas perdem a função, o campo de treinos passa a servir todo e qualquer propósito. Na sombra de uma vegetação rebelde, engolido pelo tempo e pelo esquecimento, um Lenin de aspecto mal acabado desprende-se da pedra. Nas suas vestes passeiam insectos e a sua barba é agora adornada por musgo. A natureza vai consumindo o homem lentamente, sem drama, sem pressa, o decair natural e um olhar para o vazio.

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