19 de maio de 2014

Lamúrias de pequenez

Na edição de 8 de Maio de 2014, o jornal a Voz de Trás-os-Montes publica excertos de uma entrevista a Inês Zuber, número dois da lista da CDU ao Parlamento Europeu. A entrevista revela de forma algo escandalosa a obsessão de alguns candidatos ao Parlamento Europeu em empurrar as culpas para um sistema que dizem injusto. Neste caso em concreto falarei sobre a candidata da CDU, mas sou da opinião que exemplos semelhantes e piores podem ser encontrados em todos os partidos que concorrem ao escrutínio de 25 de Maio.


A entrevistada começa por afirmar que "o mundo do Parlamento Europeu é muitas vezes longínquo e desligado da realidade concreta* das pessoas". Nada do que a candidata diz é falso, mas também nada do a candidata diz é novo. Pergunte-se pois para quê dar tempo de antena (neste caso parágrafos) a alguém que não acrescenta uma vírgula à discussão? Pergunte-se à candidata qual o sistema governativo deste planeta em que os representantes da instituição cimeira do poder estão perfeitamente conectados com a "realidade concreta" do eleitorado? A resposta é clara, nenhum... O que existe são diferentes graus de desconexão. Se a senhora deputada acha que algo melhor pode ser feito então que explique, sublinhar o óbvio não é interessante. Na verdade, tal discurso repetitivo só contribui para a desconexão que tanto a preocupa.

Inês Zuber leva a cabo uma penosa peregrinação pelas mais vulgares divagações sobre a falta de poder Lusitano no que toca a grandes questões estruturantes. Chega mesmo a afirmar que deveria ser objecto de reflexão "o facto do poder nos países ser desigual no parlamento" e que Portugal com os seus 22 assentos "só tem 2% do pesos das decisões do Parlamento Europeu". Tais afirmações são chocantes, uma vez que demonstra uma percepção algo distorcida daquilo que chamamos de democracia. Qualquer regime livre e democrático tem que ser baseado na distribuição da população. É por essa razão que Sobral de Monte Agraço não tem o mesmo peso parlamentar que Lisboa. Como mostrei anteriormente, Portugal tem na verdade mais votos do que "devia". O método Europeu inflaciona propositadamente o peso dos pequenos países de modo a estes terem maior expressão. 

Fonte: Wikipedia

Como exemplo da tal falta de poder, a candidata dá o exemplo que Portugal "pouco ou nada decidir sobre o que é feito com a nossa zona exclusiva económica". Se pouco ou nada é decidido por Portugal então as culpas devem estar, na sua maioria, do lado dos intervenientes e não do lado do sistema. O sistema é quase sempre a origem das distorções, mas são os intervenientes do sistema que inflacionam ou atenuam tais distorções. Se o sistema fosse perfeito não precisávamos de representantes eleitos e tudo poderia ser decidido por computador. Afirmar que Portugal não consegue uma massa crítica de votos no Parlamento Europeu demonstra que a senhora deputada assume que não pode, ou que é complicado, fazer uma coligação com outros pequenos países Europeus. Por exemplo: tentou a deputada implementar um grupo virtual de pequenos países que votem em uníssono em questões estruturante como a repartição de fundos comunitários? Ou de fazer uma operação de charme a todos os parlamentares de países com costa e propor Portugal para liderar as pastas referentes a esta matéria? Espero que tenha tentado. A entrevista é inconclusiva nesta matéria. 

A senhora candidata culpa tudo o que está para lá da sua área de influência, esquecendo que ela própria é peça do sistema que tanto critica. Sendo membro do Partido Comunista, permitam-me um pequeno apontamento. É pena que a candidata não use alguns exemplos do país cujo seu partido apoiou durante tantos anos como guia para a sua conduta. Exemplos como Vernadsky, Sakharov ou Pozner, deviam servir como padrões para a sua actuação. Todos eles foram sujeitos aos rigores de um sistema, que, em larga medida, não era justo, não era livre e cujos actores de topo estavam totalmente desconectados com a realidade do eleitorado (virtual neste caso). Comparado com os rigores do sistema Soviético as imperfeições do Parlamento Europeu devem ser chocolate. Apesar das dificuldades, todos os frisados tiveram a perfeita noção que a melhor maneira de mudar o sistema é ser seu aliado e usar as suas burocracias e imperfeições contra ele próprio. Se a candidata assim o fizesse, não escutaríamos uma entrevista de lamúrias de pequenez mas sim de estratégias para a combater. O problema fundamental, e que a senhora candidata não que ver, é que só existe uma maneira de mudar o sistema que tanto critica. Tal só é possível quando os intervenientes se tornam insubstituíveis para o próprio sistema, obtendo por consequência uma influencia desproporcional que o seu cargo implica. Quem na União Soviética podia analisar processos bio-geoquímicos ou fazer o levantamento de reservas minerais a não ser Vernadsky? Quem podia liderar o design da bomba atómica a não ser Sakharov? Quem podia ser a voz de uma nação socialista na América a não ser Pozner? Todos insubstituíveis para o sistema, todos contra o sistema, todos sem lamúrias...

*como se houvesse realidades abstractas...

3 comentários:

Daniela disse...

O titulo nao poderia fazer mais sentido ;)

Daniela disse...

O titulo nao poderia fazer mais sentido ;)

Vitor Sousa disse...

Não acrescento uma única vírgula!
Impecável Carvalho!!!

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