Com o final de cada Verão fecham para balanço as contas da área ardida e do número de incêndios em Portugal. Nos jornais nacionais e regionais podemos ler os mais mirabolantes relatos de números que pouco ou nada informam os leitores. Poesia comum de tais exercícios são as rajadas avulsas de hectares que arderam sem o respectivo contexto temporal. O que vale afirmar que no ano x no distrito y registaram-se z ocorrências? O que vale afirmar que em Vila Real arderam no ano de 2013 "mais de 22000 hectares". De que vale informar que em Vila Real se registaram em 2013 "cerca de 700 fogacho e 396 incêndios"? Números estes que segundo o autor são "impressionantes"! Tudo isto são citações que podem ser lidas na Voz de Trás-os-Montes página 13 de 26 de Setembro. Todos os números estão correctos, mas será que o jornalismo é apenas um debitar de informação sem contexto?
Comecemos pelos números Nacionais. A linha negra no gráfico A mostra a evolução da área ardida em Portugal continental de 2001 a 2013. A linha azul tracejada é referente à média da área ardida ocorrida no mesmo período. A área cinza mostra o desvio padrão observado. Finalmente, os pontos vermelhos representam o número de ocorrências (incêndios mais fogachos) registados (por motivos de representação o número de ocorrências foi multiplicado por 10). A nível Nacional "saltam" à vista os anos de 2003 e 2005 como aqueles em que a área ardida registada supera substancialmente quer a média dos últimos 12 anos quer o desvio padrão. No contexto do curto período de tempo que estamos a observar poderíamos chamar estes dois anos como anos algo anormais. Na verdade o ano de 2003 continua a deter o record em termos de área ardida de sempre em Portugal, aproximadamente 400 000 hectares. Em todos os restantes anos a área ardida oscila mais ou menos em torno da média e sempre dentro do desvio padrão. Excepção feita ao ano de 2008, onde o número de ocorrências é bastante baixo.
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Números de 2013 são provisórios e só vão até 30 de Setembro,
no entanto não devem ocorrer mais registos significativos até fim do ano.
O gráfico B refere-se ao distrito de Vila Real. Podemos observar que no geral Vila Real segue a tendência Nacional no que diz respeito ao número de ocorrência e área ardida. Vila Real consegue escapar quase impune ao ano de 2003 (o tal ano anormal), registando um total de área ardida inferior à média distrital. Já o ano de 2005 foi particularmente gravoso. O ano de 2013 apresenta números de ocorrência e área ardida em linha com o esperado se bem que um pouco acima da média. O número de ocorrências é o menor dos últimos 3 anos e nada fora do normal com o que foi registado na última década. Porque razão são então estes números "impressionantes"? Na verdade não o são, se tivermos em conta a evolução estatística passada. Mas existe um facto preocupante, um facto que iludiu o autor do artigo. "Impressionado" com o mar de números que encontrou no relatório florestal, esqueceu de fazer o seguinte exercício. Qual foi a área ardida em média por cada ocorrência em Vila Real? Simplesmente, dividir a área ardida total pelo número total de ocorrências.
O gráfico C mostra a vermelho a evolução da área ardida média registada em Vila Real por cada ocorrência. Em 2005 (um ano anormal), cada ocorrência ficou-se pelo 14 hectares de área ardida, a história repete-se em 2008. Na maioria dos casos a área média por ocorrência situa-se abaixo do 10 hectares e a média de todos os anos é de 7.6 hectares. A negro vemos a mesma informação mas para Portugal Continental. Em 2013 regista-se em Vila Real a maior área ardida por ocorrência dos últimos 12 anos, aproximadamente 18 hectares. Como em 2013 o número de ocorrências foi normal, eu interpreto este número como a maior perda relativa de eficácia no combate ao fogo da última década. Toda esta análise escapou à Voz de Trás-os-Montes. Explicações para tal? Há bastantes, talvez para explorar num próximo post.
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