Como é habitual esperava pelo 692. O casaco acumulava neve enquanto que a mão direita segurava a mochila que repousava apenas num ombro. Ao meu lado na paragem uma rapariga ostentava um leve casaco de ganga. A sua figura tremia de frio dos saltos altos até ao remel dos olhos, enquanto que com o dedo trémulo seleccionava mais uma faixa no seu telemóvel de 500€. Estranho Mundo onde se passa frio por imposição da moda e o item mais caro que se carrega cabe num bolso. O 692 chega com o habitual minuto de atraso. Ocupo imediatamente o primeiro banco do lado direito. É o único banco individual. A rapariga agradece secretamente a uma qualquer entidade divina o bafo quente do autocarro. Está salva, pensa. Só falta completar o trajecto a descoberto da última paragem do autocarro até à Universidade. Depois pode deixar cair o casaco no braço esquerdo e recuperar a forma natural das costas dobradas pelo frio.
Abro o livro que me acompanha mas não me apetece ler. Uso-o apenas como escudo contra os olhares ainda nocturnos dos novos passageiros. Ao virar a esquina a terceira paragem revela-se vazia. Com um suave abrandar o motorista convida os menos atentos a puxar o STOP. Ninguém quer abandonar a barriga quente do monstro rodoviário. Na quinta estação entra o Flavian empurrado pelo pai. Eu sei o nome dele mas ele apenas me conhece pelo olhar. Embrulhado naquilo que parece um saco cama, Flavian vai observando de baixo para cima os passageiros em sequência até o seu carro repousar no meio do autocarro. O pai carrega um saco vermelho com o velhinho símbolo da ATARI e um fino bigode.
Na sétima paragem fecho o livro. São agora 8:30 e estou prestes a sair. Na oitava aperto o casaco e abandono o autocarro. Comigo não sai ninguém. Até ao emprego são só dois passos mas que se fazem a custo devido ao constante movimento de automóveis. Depois é subir as escadas e fingir que se chegou...
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