4 de outubro de 2011

Um ano depois, um México depois...

Cozinhar tem destas coisas. Enquanto descascamos uma cebola e colocamos o arroz ao lume vamos pensando no dia que vai lentamente terminado. Dos meandros da memória chegam então imagens ora longínquas ora recentes que o burburinho da água a ferver exalta. Foi então que dei por mim a relembrar a viagem feita a Cancún no ano passado. Cancún foi uma desilusão: um enclave turístico Americano e Europeu que se estende ao longo de praias alinhadas numa perfeição artificial constantemente subjugadas à lei do tractor que penteia a areia todas as manhãs sob o comando ditatorial do MasterCard. Desta vez será diferente. Desta vez terei o prazer de visitar a Cidade do México, antigo centro do Império Azeteca e lar de 9 milhões de Mexicanos. Na sequência de memórias que se iam arrastando ao sabor do cheiro a caril, eis que fico refém de um episódio caricato que agora partilho.

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Era o último dia da conferência para mim. O meu chefe ficaria por mais um dia mas eu já estava de mochila ás costas, abandonando a Cancunmesse a caminho do aeroporto. Só havia um pequeno grande problema. Sabia de antemão que não tinha dinheiro suficiente para um taxi de volta para o aeroporto. Autocarros? Sim havia, mas com um horário errático no qual não confiava. Como podem ver na foto (tirada na ocasião) havia muitos autocarros, motoristas nos autocarros é que não.


A única opção era apanhar um táxi e rezar para que pelo menos mais 2 pessoas tomassem a mesma direcção. Pelas minhas contas uma viagem a 3 daria ficaria em 900 Pesos (~50 Euros). Eu tinha exactamente 275 Pesos, a minha fé em algum tipo de intervenção divina era como podem imaginar considerável.

Surpresa das surpresas eis que ouço tenuemente uma senhora elegante a tentar falar Inglês para um taxista que dormitava no banco do seu táxi mesmo ao lado de um dos autocarros. O taxista, miraculosamente não acorda e eu decido intervir. Bato com a mão no tejadilho do Toyota Camry (acho que de 2003) e o taxista acorda. Digo educadamente ao taxista que a senhora está à espera. Ela agradece e pergunta-me se por acaso vou para o aeroporto. Eu nem queria acreditar! Respondo que sim e aceito dividir o custo da viagem, apesar de ainda assim não ter dinheiro que chegue.

A viagem foi muito interessante. Durou cerca de 25 minutos e pelo caminho vim a descobrir que a tal senhora de chama Anna, é originária da Russia, casada com um Alemão e que trabalha numa agência de advogados especializada em prestar apoio jurídico aos chamados "refugiados ambientais". Pessoas que de uma forma ou outra são forçados a migrarem devido a algum tipo de degradação no ambiente. Juntar cenoura cozida. Opcional, mas fica sempre bem...

Quando estávamos a meio da viagem ela olha para mim e diz. Luís, tu por acaso tens dinheiro para dividir a viagem? Eu disse - Claro que sim, em tom confiante. Ela olhou mais perto e eu acrescentei. - Se os factores da divisão forem 70-30. 30 para mim, como deve calcular. A Anna riu e disse que pagaria por completo a viagem, afinal de contas seria a sua firma a pagar e não ela.

Já estacionados a Anna paga 854 Pesos pede-me um último favor antes de ir tirar a mala. Uma factura da viagem assinada pelo taxista. Num Espanhol manhoso peço ao taxista "la factura"... que ao que parece é suficiente. Ele colocou o dia, a hora, nome completo, assinou mas não colocou o montante. O taxista sorriu para mim, deu-me um aperto de mão e foi fechar a mala do Toyota. Incrédulo entrego a factura à Anna. Ela pergunta pelo montante. Eu digo que fica ao seu critério... Rimos os dois, dizemos adeus seguindo cada um a sua viagem.

Meia hora depois estava já com o cartão de embarque no meio de um livro que devorava sozinho sentado no terminal 6. Levanto os olhos e vejo passar um senhora elegante. Era a Anna, tinha mudado de roupa (!), apanhado o cabelo e carregava agora sacos de compras em vez de malas. Ela não me viu e eu retomei a leitura. Que coisa estranha, pensei eu...

O jantar está pronto.

1 comentário:

Daniela disse...

Ja conheco a historia mas adorei ler novamente. Saudades dos teus cozinhados :P

Trans - Siberiano