24 de janeiro de 2011

Silhuetas de aeroporto (3)


Por fim terra. Ainda não é a minha mas já se cheira a leveza do ar, o calor da chuva, o abençoar dos ouvidos com a latinidade inerente da fonética mansa. Por fim em terra. Já de deslumbra a estrada para a salvação, uma avenida inclinada pejadas de almas tristes em monótonos diálogos de sobe e desce. Para onde? Pergunta uma senhora bem vestida na recepção da central de camionagem... Vila Real, respondo. Do norte ou do sul?, pergunta novamente a senhora enquanto olha o ecrã do computador. Do norte, respondo eu - tentando reprimir para as entranhas dos meus ossos a idiotice assombrosa da pergunta. São 17 euros se faz favor. Pago e faço-me ao caminho. Para trás vai ficando uma Lisboa triste e auto-flagelada, uma Lisboa intelectual de revista barata que adormece num encanto de palhaço triste acreditando na existência de duas cidades chamadas Vila Real.

Acordo e adormeço ao som do zumbido dos pneus no alcatrão dos incrédulos anos noventa. Sinto que o autocarro abranda na direcção de uma montanha perdida no vazio escuro entre cidades. O motor começa a gemer de esforço dado o declive milenar que tem agora de enfrentar. Os vultos dos cumes vão jogando às escondidas uns com os outros sob o olhar atento de um céu de estrelas. O declive da estrada vai decaindo a uma taxa inversamente proporcional ao meu entusiasmo quando avisto a segunda paisagem mais bonita conhecida pelo Homem. As luzes de Vila Real salpicadas pelos montes na cadência monumental de uma disposição decerto divina. E assim, em procissão solene de boas vindas silenciosas, as luzes vão-me acalmando o espírito, tal como regaço de mãe acalma uma criança no aconchego quente das lareiras de granito.



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Trans - Siberiano