14 de abril de 2010

A bolacha

Local - Reichpietschufer 20, Berlin

Em breve vai terminar outro workshop, outra apresentação, outra sessão de troca de contactos entre pessoas até então desconhecidas. Índia, Caraíbas, Peru, Indonésia, Nepal, Brasil, México. O Mundo todo parece estar reunido nesta sala, neste espaço também ele desconhecido e que agora parece estranhamente familiar.
A vida vai-se movimentando entre espaços desconhecidos e encontros de pessoas anónimas. As conversas são impessoais, um bailado semântico sobre ciência, expectativas, carreira, publicações.
Estamos no intervalo entre duas sessões. Por entre as fileiras cerradas das pessoas que fazem fila para o café deslumbro a última bolacha de chocolate que repousa sozinha num prato impecavelmente branco. É linda na sua essência e função. Perfeitamente redonda, coberta sem mácula por uma fina camada de chocolate de leite sobre a qual se destacam quatro elegantes linhas paralelas de chocolate branco. És minha...

-Gostei da tua apresentação!!! Onde foste desencantar a ideia de juntar as palavras do Keith Richards à problemática da sustentabilidade? Pergunta ela segurando uma chávena de café com a mão direita e deitando a mão esquerda à "minha" ambicionada bolacha de chocolate...
Continua dizendo.
-Será que podes passar a apresentação para o meu portátil?

Reconheço a elegante participante que me interpela. É estagiária no GZT e trabalha de momento no Peru. Durante a sua apresentação perguntei-lhe se realmente fazia grande sentido medir o ozono troposférico abaixo do dossel da floresta Peruana....Fixe mesmo era medir imediatamente acima. Mas da maneira como se veste duvido que tenha como hobbie trepar a uma torre de medição.

Respondo que a minha apresentação poderá ficar disponível caso ela me devolva o pouco que ainda resta da bolacha.
Ela fica com ar algo espantado e responde que nunca viu ninguém ceder uma apresentação a troco de meia bolacha...

-Sou uma pessoa que gosta de coisas simples. Bolachas de chocolate, por exemplo.

-És pouco exigente então, responde ela.

Fico aborrecido com a conversa e respondo.
-Podia ser mais exigente de facto, mas duvido que o teu namorado Peruano gostasse da ideia.

-Mas como sabes que o meu namorado é Peruano?

Aproveito o facto de ela ter ficado surpresa para lhe tirar o que resta da bolacha da mão.

-Na verdade não sabia, respondo. Mas pareceu-me lógico... E de uma só vez como o que resta da bolacha.

Olha para mim de modo algo irritado e diz.
-O que os homens fazem por uma mísera bolacha.
-O que as mulheres fazem por uma mísera apresentação, acrescento eu.

Ela reafirma que a minha apresentação foi tudo menos mísera. E eu respondo que pela mesma ordem de ideias aquela bolacha era suposto ser a melhor parte do meu dia, logo, a bolacha era tudo menos mísera...
Rimos os dois...

Deito a mão ao bolso e dou-lhe a minha pen com a apresentação...

1 comentário:

Ana Raquel disse...

Mesmo à português...
:-)

Beijinho...

Trans - Siberiano