2 de março de 2010

Diários de Israel - Um deserto que olha

Caminhei sozinho durante três dias (uma experiência que recomendo a todos). Tive tempo para reflectir e discutir comigo próprio o propósito desta visita e de muitas outras questões. O tempo passa a correr e sem aviso prévio dou por mim rodeado de pessoas que vou encontrando de forma intermitente (não mais de duas vezes por ano) mas que curiosamente há muito que deixaram de ser estranhas.


Agrónomos, arquitectos, sociólogos, geógrafos, engenheiros e vulcanólogos convivem num projecto que demonstra bem a filosofia presente da União Europeia, isto é, uma avalanche permanente de burocracia financeira com o efeito secundário de permitir um encontro multi-cultural e multi-disciplinar difícil de igualar em tão curioso pedaço de Terra. A caminhada seria a partir de agora não a sós mas acompanhado por mais vinte e seis.

Antes de olhar o deserto o deserto "olhou" para mim. O olhar foi de facto a primeira coisa de extraordinário que observei neste pedaço de planeta que recebe apenas 200mm de precipitação anual (na cidade de Elat, no seu extremo geográfico e climático, a precipitação anual ronda os 30mm).
Aqui as pessoas olham de forma intensa e profunda tal e qual o calor que emana das rochas expostas ao sol. Olham de forma agressiva, desafiante, medindo a reacção da pessoa observada, os seus gestos e o seu comportamento. Resumindo, um instantâneo teste de polígrafo descodificado à base da íris.


Não podemos hesitar. Nos primeiros segundos de um contacto fica registado o modo de como vais ser olhado durante a tua estadia. Todo o procedimento é feito sem recorrer à arrogância ou má educação, é apenas uma daquelas travessias culturais que por vezes temos de fazer.
Hoje não vamos passar a tarde em frente ao computador, não vamos ficar fechados num espaço aclimatizado discutindo prazos e capítulos. Hoje vamos ser observados.


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