A escola pouco havia mudado exteriormente, os jardins são agora mais bem cuidados e a pintura branca que sempre ostentou aparenta não ter mais de 4 anos. Fiquei por instantes imóvel a olhar a familiar porta vermelha escura até que algumas gotas de chuva me lembraram que o melhor era mesmo entrar. Curiosamente quando me preparava para bater à porta ouço um barulho terno e ao mesmo tempo poderoso, ouço passos, risos, gritos, ouço o trinco da porta a ceder. Sou empurrado por crianças na ânsia de sair da escola, enfim, ouço o infantil e doce som do recreio…
No meio da momentânea azáfama um rapaz pergunta-me
-Quem é o senhor?
A sua camisola de malha, as botas, a sua cara suja das brincadeiras olha-me enquanto trinca vigorosamente o pão que tinha trazido de casa. Eu não respondo, fico imóvel, pergunto apenas onde está a professora Benedita… Com a velocidade de um relâmpago ele corre para a sala apregoando “professora está aqui um senhor que quer falar consigo”. Senhor… nunca uma palavra tão familiar se tornou tão estranha, senhor, eu! A afirmação do pequeno rapaz encheu-me de dúvida e alegria. Dúvida de saber se ele tem ou não razão, aos olhos dele eu sou um senhor, sou mais alto, mais velho, e consideravelmente mais lento. Mas não me sinto senhor, nem nada que se pareça, sou Luís, e foi esse Luís que vim reencontrar aqui. A alegria veio com a certeza de saber que a professora Benedita continua a educar bem as crianças, são barulhentas, traquinas, mas muito obedientes. Aquilo que eu buscava começa a revelar-se.
A bata é branca, tal como no primeiro dia de escola em Setembro de 1989. O cabelo é agora mais grisalho, apesar de ainda ostentar a profunda cor negra que tão bem recordo, o andar é decidido e carinhoso enquanto abandona lentamente a sala e sai cá para fora. Por momentos não me reconhece, hesita, eu apenas digo, “Bom dia professora Benedita”. Com um sorriso marcado desce as escadas e abraça-me dizendo a já habitual frase “Luís, estás tão crescido”… Agora sim, agora tinha a certeza. Não sou senhor, sou crescido, as professoras sabem sempre o que dizem…
Recordamos o velho álbum de fotografias com as caras dos antigos colegas. Um deles já faleceu, dos restantes pouco ou nada sei. Não é este o Luís que vim cá procurar… O tempo urge e a chuva cai, após algumas instruções às estagiárias que agora orienta saímos para o recreio. Os alunos estavam de volta da bicicleta que tinha deixado encostada ao muro, basta um bater de mãos para todos se afastarem. Um abraço, os desejos de felicidades e a partida.
No meu caminho de casa repenso-me, fecho os olhos e inspiro, por breves momentos senti-me criança, uma criança que não quero jamais perder.
3 comentários:
"tenho uma lagrima no canto do olho..."
conheces a canção?
Do pouco do que conheço de ti... nunca deixarás morrer a criança que existe dentro de ti...
grande abraço... e obrigado pelo repasto...
É tão bom recordar...
Eu própria estive estes dias na treta até às 4 da "matina" a recordar episódios escolares...
E como entendo o sentimento de voltar à escola primária... eu também lá voltei há 2 anos, mas está tudo tão diferente :(.
Não posso não comentar este post.
Muito bem aqui esta um reencontro com uma descrição fantastica. Fiquei a saber que é mais novo ;) mas isso não importa ao caso.
Tb sinto uma confusão pois passei a ser Senhora, deixei de ser menina, e isso assuta-me ainda por vezes. Mas vejo que tem de ser sou adulta :)
Beijinho não ocm sorriso d euma criança mas com o sorriso de uma Mulher que deixou de ser menina.
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